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terça-feira, 7 de julho de 2009

Para o fim dos crimes, fim da vida

Diante da incompetência em realizar políticas sociais, de conscientização e formação de cidadãos, a sociedade, representada pelas autoridades, vem apostando em uma das práticas mais execráveis: a restrição da liberdade.
Proibir se tornou sinônimo de solução para o combate à violência e criminalidade. Se investe numa sociedade silenciosa e com restrição de direitos constitucionais básicos como o de ir e vir.
Em Mogi Mirim, a novidade é o estudo para a implantação de uma polêmica medida já adotada em outras cidades: o toque de recolher para menores de 18 anos, após a 0h.
Em outro momento, já havia sido limitado o horário de funcionamento de estabelecimentos que têm como principal foco a venda de bebidas alcoólicas, além de fiscalizações noturnas terem amedrontado restaurantes em uma cidade que busca atrair turistas com o projeto do pólo gastronômico. Somado a isso, a excessivamente rígida lei seca em âmbito nacional. Já em Itapira, estuda-se a proibição da venda de bebidas alcoólicas na madrugada, inclusive em restaurantes, prejudicando até mesmo o comércio, em outra ideia ignóbil.
Medidas que se apóiam na estatística de redução da violência. E realmente, parece óbvio. Restringindo-se determinadas ações, obviamente caem os índices de criminalidade e mortalidade. Uma visão simplista e repugnante, na medida em que afronta um dos valores mais sublimes: a liberdade.
Utilizando uma visão extrema, a proibição do trânsito de veículos, por exemplo, certamente redundaria em uma redução gigantesca de mortes, gerada pelos constantes acidentes. Seria a solução, simplesmente proibir em nome da vida?
Combater o lazer noturno, certamente, também reduz a criminalidade, independente da idade, já que muitos desentendimentos ocorrem em discotecas, bares e afins. Seria a solução proibir a venda de bebidas alcoólicas e o funcionamento de estabelecimentos ligados ao lazer?
Certamente, o esporte, especialmente o futebol no Brasil, também é responsável por gerar a violência indireta, principalmente de torcidas organizadas. O futebol, pelo espírito de rivalidade, instiga o sentimento do ódio, gerando violência e mortes. Além disso, recentemente, casos estão sendo relatados de mortes de torcedores por paradas cardíacas em função do nervosismo na torcida pelo clube do coração. Seria a solução simplesmente proibir o futebol?
Relacionamentos amorosos, da mesma forma, geram sentimentos de ciúmes, ódio, muitas vezes resultando em assassinatos. Não são raros os casos de crimes passionais, muitas vezes com assassinato, seguido de suicídio. Seria o caso de proibir o relacionamento amoroso?
As medidas restritivas são cada vez mais absurdas, prejudicando a liberdade em vez de agir na raiz dos problemas sociais, dando margens a questionamentos irônicos como os supracitados.
Recentemente, houve até projeto de lei buscando proibir o consumo de alimentos gordurosos em escolas. Certamente, uma alimentação mais regrada, independente da idade e profissão, seria responsável por garantir uma melhor saúde e manutenção da vida, evitando mortes provocadas por hábitos de vida não saudáveis. Seria a solução proibir alimentos gordurosos e o funcionamento de lanchonetes que tem como principal negócio lanches ricos em colesterol?
A sociedade parece acostumada a resolver os problemas na base da medida mais cômoda: proibir. O direito de escolha é jogado na lata do lixo.
O toque de recolher, no intuito de combater a criminalidade e exploração sexual de crianças e adolescentes, gera uma visão prejudicial da madrugada aos jovens. Como se em outros horários, as ruas fossem tranquilas e sem risco. Madrugada adorável, responsável pela alegria de diversos cidadãos, vista de forma preconceituosa e banal. O que esperar de uma sociedade que cria menores fora do convívio social, presos em suas residências durante um determinado momento? Que geração estaria se criando, a geração do medo, a geração do nada pode, a geração de jovens oprimidos? A restrição da liberdade é um dos piores tipos de violência.
O toque de recolher afronta, da mesma forma, o direito de educação das famílias, que deveriam ter a liberdade de educar os filhos da maneira que melhor entenderem. Eles, sim, os pais, poderiam — mas não deveriam — adotar medidas simplistas na educação já que não são pagos pelo poder público para pensar.
O toque de recolher afronta o direito de escolha entre o certo e o errado. Torna o menor mais bronco, limitado, aprendendo desde cedo que a melhor forma de educar é proibir. Como se um adolescente de 17 anos, por exemplo, tivesse que viver aprisionado justamente no horário em que poderia se divertir pelas ruas da cidade, até porque as ruas são públicas, ou no estabelecimento que lhe melhor convir. Em uma das melhores idades para a diversão noturna, o adolescente passa a ser privado de conviver com a natureza no horário pelo qual muitos são apaixonados. Em uma sociedade cada vez mais violenta, se aprisiona o cidadão em sua residência como se criminoso fosse.
Embora tenha sido implantado em outras cidades, o toque de recolher está longe de ser uma unanimidade e é combatido por diversas vertentes, autoridades e lideranças jovens e especialistas em estudos sobre a infância.
Até mesmo na expressão “toque de recolher”, apresenta-se um aspecto ditatorial repugnante. Não há como se manter calado diante de uma medida abusiva que aposta em um recolhimento à residência, em detrimento do lazer, como se nas casas estivessem protegidos da criminalidade. Mascaram-se os problemas sociais, de educação e direitos básicos da juventude, em nome de uma medida autoritária, opressiva, que oculta o cerne da discussão.
Mesmo que apenas dure 60 a 90 dias, como uma forma de mapear os menores, como defende o Ministério Público, o toque de recolher é condenável e insinua que a sociedade não está preparada para fiscalizar dentro do que preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do que já existe na legislação. Demonstra que o mapeamento só se torna real com a proibição.
É o mesmo que proibir o estacionamento em determinados pontos, como chegou a ser feito, como forma de não gerar uma concentração de jovens e, assim, reduzir o barulho noturno. Na incompetência para se fiscalizar e resolver os problemas da juventude, aposta-se na proibição, quando o correto seria aprofundar o tema da violência e realizar um estudo mais sério sobre as causas e soluções para combate, não somente nas simplistas e cômodas medidas.
Proíbe-se o lazer.
Proíbe-se o funcionamento de bares.
Proíbe-se o barulho.
Proíbem-se bebidas alcoólicas.
Proíbe-se o direito de andar pelas ruas na madrugada.
Uma sociedade cada vez mais sem ação.
Uma sociedade cada vez mais sem violência.
Uma sociedade cada vez mais sem crimes.
Uma sociedade sem vida.
Uma sociedade silenciosa.
Uma sociedade morta.